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Na segunda-feira de 24 de janeiro de 2011, o Knesset, o parlamento israelense votara pela abertura de um inquérito parlamentar sobre a origem dos financiamentos às associações e às organizações não-governamentais em operação no território israelense.

O ministro israelense de relações exteriores, Avigdor Lieberman -- cujo partido (Israel Beiteno) estava na origem dessa curiosa iniciativa --- declarara que, de acordo com informações em sua posse, a maior parte das ONGs que ostentam a bandeira dos direitos humanos nada mais são na verdade que meras sucursais de serviços secretos estrangeiros. Isso quando não atuam efetivamente como “cúmplices do terror”, conclui ele.

A originalidade desse voto do parlamento israelense consistia em determinar a verdadeira identidade de cada associação e seu verdadeiro objetivo a partir da fonte de seu financiamento. Essa foi a única maneira de se saber exatamente a verdade.

Como não dar razão ao ministro israelense quando se examina o perfil dos dirigentes dessas ONGs com rigor? Com frequência é inquietante se constatar certa mistura enigmática. Um exemplo dos mais recentes:

Quando em 1999, Richard Holbrooke foi escolhido pelo Presidente norte-americano Bill Clinton para suceder a Bill Richardson como embaixador nas Nações Unidas, este convidou como assistente, uma dama chamada Suzanne Nossel. Esta última foi novamente requisita quando Barack Obama chegou à Presidência, e tornou-se assistente da Secretária de Estado Hillary Clinton. Em 23 de novembro de 2011 esta brilhante personagem então funcionária do governo dos EUA realizou uma ação das mais curiosas e desconcertantes: ela deixou seu cargo, na administração Obama, para se tornar a Presidente da seção norte-americana de ONG Anistia Internacional. Isto significa não haver efetivamente mais conflitos de interesses entre certas organizações e os governos que as financiam no sentido de lhe oferecer os bons pontos no mundo. E, como bem denuncia a Rede Voltaire, esta dama que montou toda a propaganda e as mentiras para justificar o bombardeio sobre a Líbia -- que resultou em 90.000 mortos e no assassinato do seu Presidente Kadhafi -- mudou de vestes para retornar ao local de seu crime e dar lições de direitos humanos.

a) AS ONGs MAIS GOVERNAMENTAIS DO QUE NÃO GOVERNAMENTAIS

Como se pode chamar de “organização não-governamental” uma organização que recebe o essencial de seu financiamento do governo do seu país de origem? Como uma organização criada pelo Congresso Norte-Americano e 100% financiada por ele pode ser uma ONG na África? Como explicar que a quase totalidade do financiamento a esse golpe denominado “ajuda pública ao desenvolvimento” seja investida em organizações ditas não-governamentais como no caso do Canadá?

Os 50 anos de ONGs na África nos indicam que o continente não pode jamais se erguer por meio dessas organizações cujo sistema de gestão e de decisão muito nebuloso não permite avaliar com precisão as verdadeiras motivações dos seus organizadores. Até o presente momento não existe qualquer relação, qualquer documentação sobre a finalidade do imenso volume de informações que estas organizações coletam quotidianamente em solo africano. Todavia pode-se dizer da mesma maneira que o objetivo delas em hipótese alguma é o de aumentar a segurança do continente. Querem enfraquecê-la. Pensar que governantes afundados em dívidas abissais irão se endividar ainda mais para ajudar os africanos revela a ingenuidade coletiva dos próprios africanos que concedem confiança desmesurada a associações sobre as quais eles sabem nada ou quase nada além da propaganda preparada sob medida para eles.

b) E A ÁFRICA EM TUDO ISTO?

Para se perpetuar o sistema ultraliberal que espoliou a África por 5 séculos, articulou-se cuidadosamente uma organização metódica e com uma distribuição de funções bem delimitadas. As associações e organizações ditas de desenvolvimento, humanitárias ou de direitos humanos têm sido criadas nesta ótica de tornar a espoliação menos dolorosa. Tais organizações se rebatizaram como “sociedade civil africana” copiando as mesmas técnicas de usurpação usadas pelos racistas da África do Sul os quais se fizeram chamar de AFRIKANERS, ou seja, OS AFRICANOS, isso no lugar e espaço dos autênticos africanos os quais eles queriam fazer desaparecer através do cruel tratamento praticado pelo apartheid.

Todas essas associações que se convencionou chamar de “sociedade civil organizada” e não de “sociedade civil” alegam simplesmente trabalhar para ajudar a África; trabalhar pelo bem do continente africano. Na realidade visam outros objetivos como, por exemplo:

1 – Desviar a atenção dos africanos dos seus verdadeiros problemas, impondo temas tão prejudiciais quanto inúteis, e impondo também seu ponto de vista através da grande máquina de guerra midiática que as acompanha bem como pelo dinheiro que jorra dos seus governos ocidentais.

2 – Diante do choque de duas civilizações, a africana e a européia, e visto estar a África em vantagem, tudo é articulado para obstacular os africanos que, em muitas áreas, não têm lições a receber de quem quer que seja, mas talvez se achem em condições de dá-las. É então necessário convencer os africanos mais bem sucedidos da inutilidade fundamental de seus chefes de Estado supostamente incapazes, bem como passar a imagem de sermos um continente amaldiçoado pela pobreza, mesmo que eles próprios saibam que isso não é verdade. A maioria dos africanos que aceita tal discurso simplesmente esqueceu, por exemplo, que eles eram de longe mais felizes do que aqueles que lhes afirmavam serem os ricos vindos para lhes ajudar. Isso porque o africano é de longe mais rico e consequentemente mais feliz do que o europeu. Em geoestratégia a verdadeira diferença entre um rico e um pobre reside no fato de que o pobre é aquele que ganha um milhão de dólares por mês, porém pelo mesmo mês ele irá gastar dois milhões, emprestando a torto e à direita; enquanto o rico é aquele que ganha 2 dólares por dia, mas gastará apenas 1. Isso explica porque os africanos são menos preocupados do que os europeus; eles são mais sorridentes mesmo quando não têm automóveis; eles não se entregam a um consumismo desregrado, eles não pretendem mudar chefes de Estado no Nepal ou na Guatemala; assim também a taxa de suicídios na África é menor. Bem examinadas as respectivas realidades, a lógica não teria simplesmente aconselhado essas ONGs a copiar essa lição de felicidade para infundi-la nos europeus?

3 – Manchar a imagem da África parece ser uma das missões das ONGs. Por toda a parte onde nos encontremos nos maiores aeroportos do Ocidente, nas maiores estações de trem ou de metrô, não há como deixar de ver a foto de uma criança negra suja e desnutrida afixada nos muros desses lugares públicos, de Düsseldorf a Montreal, passando por Genebra, Roma, Paris e Nova York. De uma parte trata-se de um grande fundo de comércio dos mais rentáveis do mundo para seus autores, todavia o pior é a maior atividade de propaganda contra o surgimento de uma outra África mais digna e próspera. Trata-se de um ato de racismo puro e também de falta de respeito à dignidade de uma criança em dificuldade quando se mostra sua foto em meio a uma nuvem de moscas que buscam comida na sua boca. Explorar a esse ponto as dificuldades do outro para se enriquecer parece um cinismo dos mais perigosos para o gênero humano, algo como um agente funerário rodeando um rico moribundo à espera dos honorários do sepultamento.

4 – Atividade de espionagem: na África a avidez crescente e a ignorância tornaram-se as palavras-chave que permitiram o desenvolvimento descontrolado da espionagem estrangeira em todas as camadas da população e isso sob as formas mais impensáveis. Assim se observa iniciativas e organizações que nada mais pretendem que enfraquecer o Estado e substituí-lo por pseudossoluções em parte alguma aprovadas, principalmente nas áreas de saúde, instrução e finanças. Por que os governos europeus e norte-americano necessitam passar pelas ONGs para recolher informações sobre a África se tais organizações são inofensivas e não colocam em perigo a prosperidade e a segurança do continente africano? Quais são esses interesses ocidentais, incompatíveis com a urgência na África da construção de um Estado forte que seja capaz doravante de se ocupar digna e convenientemente dos seus cidadãos?

c) O QUE FAZEM OS ESPIÕES AFRICANOS?

A África viu na atividade de espionagem um simples problema de ordem pública para a eliminação de supostos opositores, verdadeiros ou imaginários. Não houve atividade de espionagem ou de contra-espionagem no plano econômico e geoestratégico. E como é lá onde doravante tudo se desenrola, mesmo entre os melhores amigos do mundo existe a desconfiança de atividades de espionagem dos respectivos agentes. O caso de Israel e dos Estados Unidos da América aí está para nos prová-lo. Ben-Ami Kadish foi encaminhado ao tribunal de Manhattan na terça-feira do dia 22/04/2008 -- isso 15 dias antes da visita do Presidente norte-americano George Bush a Israel – por haver transmitido a Israel informações relativas a armamentos nucleares dos aviões de combate F-15 e de sistemas de mísseis e antimísseis Patriot. Pareceria possível que um dia os africanos amassem a África a tal ponto de serem acusados de haver espionado uma empresa de ponta no Ocidente em nome do seu país africano? Como explicar a ingenuidade dos países africanos que colocam gerentes ocidentais na direção das principais empresas estratégicas públicas sem se preocuparem com o vazamento de informações confidenciais que tais pessoas possam fornecer a seus países? Existe um sistema eficaz de contraespionagem capaz de monitorá-los adequadamente?

d)- CONCLUSÃO

A África deve parar de pensar que existem presentes gratuitos de onde quer que eles venham, ou que existam doações sem contrapartida, visto frequentemente essa contrapartida pode superar até em um milhão de vezes o valor da própria doação. Antes da aceitação de qualquer parceria deve-se primeiramente formular a pergunta sobre o que o outro lado ganhará. Quando isto não fica claro, e quando torna-se impossível identificar o interesse da outra parte está havendo um golpe ou simplesmente um engano. A África deve ir além da iniciativa de Israel, ou seja, não somente se limitar a identificar as fontes de financiamento de cada ONG que opera em seu território. É necessário tomar decisões radicais para interditar toda associação, toda organização que receba qualquer centavo do seu financiamento de fora da África. Até uma associação 100% africana não pode receber seu financiamento do estrangeiro sem uma contrapartida, pois não pode se colocar numa condição psicológica de agradecimento ao seu benfeitor, sobretudo ao fornecer todas as informações que eles necessitam e mostrar uma certa elegância na defesa dos interesses, ideias e opiniões dos estrangeiros em posição de comando (mesmo quando estes são abertamente contra os interesses da nação africana em questão).

Num outro plano será o fortalecimento da Federação Africana que dará à África o poder de impor uma grande transparência nas suas relações com todos os países do mundo. A África necessita de uma cooperação Estado a Estado e não de Estado a ONG, isto quer dizer que ela deve desenvolver suas relações exatamente como já é o caso com a China, pois não existe qualquer ONG chinesa, tampouco qualquer associação chinesa que receba dinheiro do governo chinês para se instalar nas cidades africanas e enviar informações para a China, ou simplesmente para resolver problemas de desemprego naquele país.

A espionagem no século XXI deve se inovar para não permanecer pateticamente numa lógica ultrapassada de guerra fria. Após 50 anos de exploração com bilhões de dólares perdidos ingenuamente ante a ação da espionagem ocidental na África, ou mesmo quando algumas informações vitais permitiram ao Ocidente manter o continente na pobreza, pode-se, por outro lado, afirmar que o mesmo Ocidente não retirou todos os lucros esperados visto presenciarmos lá a atual crise econômica e financeira. Possa o Ocidente ter a coragem de examinar a si mesmo e fazer a autocrítica sobre a mediocridade de seus dirigentes que -- enredados nos problemas de empregos fictícios, de desvio de verbas públicas, de assédio sexual, de pedofilia e outros – não tiveram o tempo e menos ainda a inteligência de compreender que para se erguer a Europa não era necessário uma África prostrada.

* Jean-Paul Pougala é o Diretor do Instituto de Estudos Geoestratégicos de Genebra (Suíça) [email][email protected] - www.pougala.org