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Lusa

A votação na Câmara dos Deputados do impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff neste último dia 17 de abril entrará para a história brasileira por diferentes motivos. Pela primeira vez assistimos a uma orquestração político-jurídico-midiática explicitamente golpista de tentativa de destituição de uma presidenta democraticamente eleita com mais de 54 milhões de votos por uma coligação de partidos e políticos da oposição sob a alegação de que houve crime de responsabilidade, as famosas pedaladas fiscais.

Esta é a descrição óbvia dos fatos. Liderados pelo vice-presidente Michel Temer (o conspirador geral) e o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (articulador oficial do golpe) e com apoio massivo da Rede Globo de Comunicação, mais de trezentos deputados dos partidos da oposição e muitos que até recentemente faziam parte da base aliada vocalizaram em alto e bom som seus reais interesses e motivações políticas: a defesa de privilégios raciais e de classes combinadas com convicções religiosas e valores conservadores.

Não é que não se soubesse antes de toda essa crise político-institucional que nosso congresso e Câmara dos Deputados estava povoada por bancadas ultraconservadoras, contrárias aos direitos humanos de negros, mulheres, comunidade LGBT, quilombolas, indígenas, sem terras, etc. Lamentavelmente sabíamos disso. Mesmo assim foi muito difícil ouvir de cada deputado(a) a favor do impeachment que suas motivações pouco ou nada tinham a ver com o que bradavam antes: o combate a corrupção. Mentira. Mentira sórdida! Bradavam contra a presidenta Dilma e o PT para justificar e nos enfiar goela abaixo pautas religiosas e conservadoras.

Em um Estado laico garantido pela Constituição Federal Brasileira, deveria causar asco e ojeriza ouvir da boca de parlamentares repetidamente o nome de Deus e em defesa de grupos religiosos como se a vida pública tivesse que ser regida por anjos ou demônios.

O deputado Eduardo Cunha chegou a pedir no momento de seu voto pró-golpe que “Deus tenha misericórdia desta nação”, em uma das cenas mais patéticas e lamentáveis da vida política brasileira. O deputado do PT do B (Partido Trabalhista do Brasil), Cabo Daciolo “profetizou” a queda da Rede Globo, de Eduardo Cunha e cia limitida em um discurso eivado de metáforas cristãs. Filiações e sentimentos religiosos deveriam ser de âmbito estritamente privado e jamais interferir na vida pública de nosso país.

A história mundial tem centenas de exemplos terríveis de interferências religiosas na esfera política com consequências temerárias. Estado e religião precisam estar separados em definitivo, caso contrário voltaremos às trevas medievais, se é que já não estamos. A direita e os golpistas tiveram uma vitória parcial, eis a amarga verdade. Entretanto, a luta não acabou e não pode acabar. A segunda batalha se dará no Senado Federal e continuará nas ruas, nas universidades, nas favelas, nos movimentos sociais, nos sindicatos, nas consciências de cada brasileirx, negrx ou brancx, homem ou mulher, gay ou hetero, empregadx ou desempregadx, faveladx ou de classe média.

O momento agora é de fortalecer nossas posições e nos contrapor a escalada do golpe dentro dos marcos democráticos conquistados a tão duras penas. O governo Dilma e, consequentemente o Partido dos Trabalhadores, errou e errou muito, ninguém ousaria duvidar desta obviedade. Permitiu o avanço das bancadas conservadoras, das pautas que ameaçam conquistas sociais e civis importantes para os segmentos mais fragilizados da sociedade brasileira. Ainda assim, há que se reconhecer que os governos do PT foram aqueles que mais conquistas trouxeram para os jovens, para os negros, as mulheres, os quilombolas.

Não cabe agora uma análise das condições de governabilidade do governo Dilma com todas as suas contradições e limites. No entanto, nada justifica ou justificará um golpe de Estado tramado em rede nacional. Essa onda direitista, conservadora, racista, machista e sexista não pode varrer para o lixo da história direitos de cidadania conquistados a partir da lutas e sacrifícios dos mais pobres e os marginalizados. Contra o golpe somente a luta.

* - Marcio André dos Santos é  professor de Ciência Política e Ciências Sociais do Bacharelado em Humanidades da UNILAB — campus dos Malês.