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A recente remodelação efectuada pelo Presidente da república, José Eduardo dos Santos não trouxe grandes novidades, com excepção da reposição de algumas peças do xadrez, confirmando o que temos vindo a dizer: a concentração quase absoluta de poderes no próprio PR e num grupo restrito de personalidades tidas como indefectíveis.

A recente remodelação efectuada pelo Presidente da república, José
Eduardo dos Santos não trouxe grandes novidades, com excepção da
reposição de algumas peças do xadrez, confirmando o que temos vindo a
dizer: a concentração quase absoluta de poderes no próprio PR e num
grupo restrito de personalidades tidas como indefectíveis.

Os factos foram assaz reportados e comentados nos últimos dias na
media nacional e internacional. Manuel Vicente, tido como um dos
indefectíveis do PR e em algumas ocasiões apontado como virtual
sucessor, foi exonerado de PCA do Conselho de Administração da
Sonangol e nomeado ministro da Coordenação Económica, coadjuvando o PR
na liderança de todo o sector produtivo. Alguns viram nesta nomeação
um suposto “ truque para Manuel Vicente adquirir experiência
governativa”, como se José Eduardo dos Santos, com todos os poderes
tidos e adquiridos, precisasse desse tipo de expedientes. Mesmo para,
segundo algumas opiniões, contrapor os ditos sectores radicais que
sustentariam a tese de que Manuel Vicente não possuiria experiência
governativa para eventualmente assumir a sucessão.

Ora bem, o antigo patrão da Sonangol, para além de se alcandorar de
jure e de facto, ao lugar de segundo ou terceiro homem do poder –
dependendo das lógicas dificilmente aplicáveis neste país atípico que
é Angola – continuará a ser uma figura tutelar da Sonangol e mais do
que isto, terá sob sua alçada o grosso do conjunto de decisões
relativas a investimentos públicos e grandes negócios governamentais.
Sendo certo que a sua presença no executivo confirma uma evolução na
história recente do partido-estado, onde as disparidades de poder e
riqueza entre os chefes do MPLA e os líderes governamentais, do
governo central à província, têm provocado fricções no passado, que
forçam quase sempre a acomodação dos titulares aos dois esteios. Nesse
sentido, Manuel Vicente, poderia ser o chefe de governo em ascensão e
afirmação, num quadro em que a segunda pessoa na lista de candidatos,
já não teria um poder ou um potencial real, simplesmente porque a
sucessão não é um assunto da agenda do poder.

Já muito foi dito sobre a perda evidente de poder de Carlos Feijó,
ministro de estado e da Casa Civil - que agora coadjuvará o
vice-presidente da República Fernando da Piedade, na liderança e
controlo da chamada área social - uma derrapagem que já vinha
ocorrendo lentamente nos últimos meses. Este episódio mais ou menos
previsível apenas veio provar que na lógica presidencialista não
existem delfins naturais nem postos garantidos. Essa tem sido uma
constante do poder quase absoluto e irá manter-se assim.

O general Vieira Dias “Kopelipa”, ministro de Estado e chefe da Casa
Militar, esse sim, parece não sair chamuscado, antes recupera e
reforça poder. Não só o gabinete de obras especiais fica a si
adstrito, como também, sendo o principal colaborador do PR nas esferas
militar e de segurança, acaba por dissipar todas as nuvens que vinham
sendo especuladas sobre a sua pessoa, com uma eventual queda da
entourage presidencial.

Fernando da Piedade Dias dos Santos, o vice-presidente da República,
recupera igualmente algum terreno político, embora simbólico, embora o
presidente Eduardo dos Santos, tenha feito alusão a um reforço da
fatia percentual orçamental do chamado sector social, acima dos
actuais 30%, no discurso da reunião do MPLA com os empresários
nacionais, realizada no fim do mês de Janeiro deste ano. O que parece
mais evidente depois desta “remodelação”, é que a imposição da figura
do Eng. Manuel Vicente, tida como aposta essencial do PR, encontra
resistência junto de vários barões do MPLA. Embora alguns analistas
dêem de barato, por agora, a confirmação do actual vice-presidente
como segundo homem da lista de candidatos do MPLA, o que é mais seguro
afirmar, é a lógica de continuidade da liderança de José Eduardo dos
Santos, até onde for possível (política e fisicamente), em formatos
governamentais e partidários que poderão variar segundo o contexto. A
adopção da constituição actual, as sucessivas e incoerentes mudanças
da arquitectura do governo nos últimos anos - assim o demonstram. Vale
adiantar, que na presente lógica de continuidade do poder evitando-se
alegadas mudanças bruscas – uma necessidade sustentada pelo próprio
presidente da República em discursos recentes, a segunda figura na
lista de candidatos do MPLA á Assembleia nacional, ao invés de reter
um valor fáctico na arquitectura do poder, poderá passar a um mero
simbolismo conferido pela manipulação da sombra da sucessão
presidencial.

Mais remodelação, menos remodelação, algo fica cada vez mais evidente:
nas últimas duas décadas, mais ou menos, o general Vieira Dias e o
eng. Manuel Vicente, não só se firmaram como apoiantes indefectíveis
de José Eduardo dos Santos, no poder e no potentado em que se
transformou a Sonangol, como também, segundo várias alegações que se
tornaram recorrentes na praça pública, seriam supostos parceiros em
várias iniciativas de negócios. Isto serve para ilustrar o seguinte:
aqueles que no MPLA, enquanto partido no poder, possuem maior poderio
económico e financeiro, são concomitantemente, os que se sucedem ou se
revezam nos cargos da governação. Isto já não é nenhuma novidade, mas
o que começa a acontecer com frequência, é que também aqui, se
verifica uma concentração: de poderes, de riqueza, de cargos, em muito
poucas pessoas. Não será por isso um simples acaso, o desconforto
político existente em muitas hostes e lideranças no seio do MPLA, para
não falar do descontentamento manifestado pelos chamados “empresários
nacionais” que se reuniram recentemente com o Presidente Eduardo dos
Santos. O futuro dirá se a lógica do poder, continuará, em absoluto,
autista, aos sinais dos tempos. Mas o futuro, como sabemos e
reconfirmamos recentemente na história do nosso mundo, conjuga-se de
modo imperfeito.

*Mário Paiva é jornalista.
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