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Apesar dos apelos supostamente auto-evidentes sobre as habilidades da África em resolver problemas sociais e de saúde, o desenvolvimento da nanotecnologia deveria ser encarado a partir de uma séria e crítica reflexão, escreve Kathy Jo Wetter. Em uma discussão sobre o que é nanotecnologia e os riscos associados a ela, Wetter enfatiza que a nanotecnologia oferece novas oportunidades de controle monopolístico “sobre tanto matéria animada quanto matéria inanimada”, enquanto as regulações governamentais pelo mundo permanecem completamente inadequadas para responder aos seus riscos únicos.

A edição da revista NANO Magazine de agosto de 2010, enfatiza a expectativa que a pesquisa em nano escala teria um impacto positivo nos países em desenvolvimento, incluindo artigos focados na geração de energia, prevenção de doenças e purificação de água. Os artigos refletem um padrão agora familiar: a apresentação de um terrível escopo do problema atual (a água não tratada sendo responsável por 6,000 mortes por dia) seguido por um relatório sobre uma promissora pesquisa de nanotecnologia que aparentemente conseguiria resolver esse problema (partículas em nano escala carregadas eletricamente que removeriam os contaminantes da água). São esperados dos leitores que conectem os pontos ao longo do caminho para uma conclusão lógica e inevitável: Quem diria “não” para a nanotecnologia?

De fato, os membros de 19 países do Mercado Comum da África Oriental e Austral (COMESA) fecharam recentemente uma súmula, “Aproveitamento de ciência e tecnologia para o desenvolvimento”, urgindo para a promoção e a utilização de nanotecnologia e ciência, “dada a sua aplicação em várias áreas centrais como no tratamento medico”.[1] Essa não foi a primeira vez que especialistas tenham se comprometido a tratar a nanotecnologia como um meio para resolver os problemas mais prementes de curso do Sul global. Já em 2005, o Projeto do Milênio da ONU, a Força-Tarefa para a Ciência, Tecnologia e Inovação já havia identificado a nano tecnologia como uma ferramenta importante para combater a pobreza e alcançar os Objetivos do Milênio.

No início de 2010, entretanto, os participantes de um seminário regional de sensibilização sobre questões relacionadas com as nanotecnologias na Costa do Marfim estavam insistindo para que os países tivessem o direito de aceitar ou rejeitar a importação e a utilização de nano materiais manufaturados para minimizar os seus riscos.[2] Eles também solicitaram que se dê atenção ao papel fundamental da precaução e os riscos éticos e sociais da nanotecnologia, além de benefícios, especialmente nos países em desenvolvimento e países com economias em transição. Ali estava um grupo de especialistas na África questionando o conhecimento recebido sobre o papel central da nanotecnologia na resolução dos problemas do mundo em desenvolvimento, mesmo indo tão longe a ponto de se sugerir que, em alguns casos poderia fazer sentido "dizer não para o nano”.

O QUE É NANO TECNOLOGIA E QUAIS SÃO OS SEUS RISCOS?
A nanotecnologia é um conjunto de técnicas utilizadas para manipular a matéria na escala de átomos e moléculas. Nanotecnologia fala exclusivamente sobre a escala: Nano se refere a medidas, não um objeto. Um nanometro (nm) se iguala a um bilhonésimo de um metro. Dez átomos de hidrogênio alinhados lado a lado são iguais a um nanômetro. Uma molécula de DNA é de cerca de 2,5 nm de largura (o que torna um material de DNA em nano escala). Um glóbulo vermelho é enorme em comparação: aproximadamente 5.000 nm de diâmetro. Tudo em nano escala é invisível a olho nu e somente pode ser visualizado nos microscópios mais poderosos. Somente no último quarto de século tem sido possível modificar intencionalmente matéria na nanoescala.

A chave para o entendimento do potencial da nanotecnologia é que, na nano escala, a propriedade de um material pode mudar dramaticamente; as mudanças são chamadas “efeitos quantum”. Com somente uma redução no tamanho (para aproximadamente 300 nanômetros ou menor pelo menos em dimensão) e nenhuma mudança na substância, materiais podem exibir novas características – como conductividade elétrica, aumento da biodisponibilidade, elasticidade, maior força ou reatividade - propriedades que essas mesmas substâncias não podem apresentar em escalas maiores. Por exemplo, o carbono na forma de grafite é macio e maleável; o carbono em nano escala pode ser mais forte que o aço e seis vezes mais leves e o cobre em nano escala é elástico à temperatura ambiente, capaz de se esticar para 50 vezes seu comprimento original sem ruptura.

Pesquisadores estão explorando em nano escala mudanças nas propriedades para criar novos materiais e modificar existentes. Governos ao redor do mundo já investiram mais de 50 bilhões de dólares em nanociências e pesquisas em nanotecnologia. Uma empresa analista de mercado espera que o setor privado invista cerca de 41 bilhões de dólares só este ano. As empresas passaram a fabricar nano partículas que são utilizadas em milhares de produtos comerciais, incluindo os têxteis, tintas, cosméticos e até mesmo em alimentos.

Porque as manipulações em nanoescala são agora possíveis e, porque os componentes básicos das matérias tanto vivas quanto não-vivas existem na nano escala (átomos, moléculas e DNA), é agora possível convergir tecnologias para um grau improcedente. Convergência tecnológica, possibilitada pela nanotecnologia e as suas ferramentas, podem envolver biologia, biotecnologia e biologia sintética, física, ciências materiais, química, ciências cognitivas, informática, geoengenharia, eletrônicas e robótica, entre outros. Na nano escala não existe diferença qualitativa entre matérias vivas e não-vivas (O Grupo ETC usa o termo BANG para descrever convergência tecnológica: bites, átomos, neurônios e genes – as coisas que vêm junto quando várias tecnologias convergem).

IMPACTOS NO MERCADO
O impacto mais direto dos novos materiais criados utilizando nanotecnologia em múltiplas opções de matérias-primas para os fabricantes industriais, são os grandes transtornos causados aos mercados de commodities tradicionais. É cedo demais para prever com certeza quais as commodities ou trabalhadores serão afetados e com qual rapidez. No entanto, se um novo material da nanoengenharia supera um material convencional e pode ser produzido a um custo comparável, é provável que aquele vá substituir o produto convencional. A história mostra que haverá um esforço para substituir commodities, como algodão e minerais estratégicos - ambos fortemente originados na África e relacionados a grandes exportadores - com matérias-primas mais baratas que podem ser obtidas ou produzidas por novos processos mais perto de casa. O deslocamento de trabalhadores provocado pela obsolescência de commodities vai prejudicar os mais pobres e vulneráveis, particularmente àqueles trabalhadores que não têm a flexibilidade econômica para responder às demandas súbitas de novas competências ou matérias-primas diferentes.

(Em face dos preços perenemente baixos e voláteis das commodities de exportação primária, e a persistência da pobreza vivida por muitos trabalhadores que produzem commodities, alguns poderiam argumentar em favor da preservação do status quo. A preservação do status quo não é a questão. A questão mais imediata e urgente é que as nanotecnologias são suscetíveis a trazer enormes perturbações sócio-econômicas para as quais a sociedade não está preparada..
Os beneficiários das mudanças repentinas na demanda de mercado serão aqueles em posição de ver as mudanças que vem, enquanto os "perdedores" serão os produtores de produtos primários que não estão cientes das mudanças iminentes e/ou aqueles que não poderão fazer ajustes rápidos em face de novas demandas.
ÁFRICA DO SUL

A África do Sul observou o desenvolvimento da nanotecnologia durante a maior parte da última década por essa razão especificamente, dando atenção especial ao impacto que novos nano materiais poderiam ter sobre os mercados de minerais. Em 2005, o país do então ministro da Ciência e Tecnologia Mosibudi Mangena advertiu: "Com o aumento do investimento em pesquisas e inovação em nanotecnologia, a maioria dos materiais tradicionais ... irão ... ser trocados por materiais mais baratos, ricos em funcionalidades e mais fortes. É importante assegurar que nossos recursos naturais não se tornarão redundantes, especialmente porque a nossa economia ainda é muito dependente deles. '[3] O governo lançou o Programa de Nanotecnologia Estratégica Nacional no mesmo ano, o financiamento da pesquisa e desenvolvimento (P & D), através do Departamento de Ciência e Tecnologia, cujo orçamento geral para 2009-10 aproximou-se de 600 milhões de dólares. A África do Sul é também um ator em um programa de cooperação de P & D em nanotecnologia no Fórum de Diálogo Brasil-Índia-África (IBAS). A nanotecnologia é uma área de colaboração científica, liderada pela Índia, financiada por um fundo de 3 milhões de dólares em uma pesquisa trilateral.

IMPACTOS NA SAÚDE E NO MEIO AMBIENTE

As qualidades que fazem os nanomateriais tão atrativos para a indústria em tantos campos, particularmente o campo farmacêutico – a sua mobilidade e tamanho pequeno, na mesma escala que os processos biológicos, e as suas propriedades incomuns - acaba por serem as mesmas qualidades que podem torná-los prejudiciais para o ambiente e para a saúde humana. Células humanas são geralmente maiores que a nanoescala - na ordem de 10-20 mícrons de diâmetro (10.000-20.000 nm) - o que significa que os materiais e dispositivos em nanoescala podem entrar facilmente na maioria das células, sem provocar, muitas vezes, qualquer tipo de resposta imune. Embora exista uma grande incerteza sobre a toxicidade das nanopartículas, centenas de estudos publicados hoje mostram que existem nanopartículas fabricadas, atualmente em uso comercial generalizado (incluindo o zinco, o óxido de zinco, prata e dióxido de titânio) que podem ser tóxicas. Algumas nanopartículas podem atravessar a placenta, pondo em risco o desenvolvimento de embriões. Os trabalhadores que são expostos rotineiramente às nanopartículas devido a sua ocupação estarão provavelmente mais em risco que outros.

Em 2002, o Grupo ETC pediu uma moratória sobre a comercialização de novos produtos nano até que eles pudessem ser considerados seguros, para proteger os trabalhadores, bem como os consumidores. Em 2007, uma ampla coalizão envolvendo a sociedade civil, o interesse público, organizações ambientais e trabalhistas de todo o mundo elaborou um conjunto de Princípios para a Fiscalização de Nanotecnologias e Nano materiais fundamentada no Princípio da Precaução. [4] Com a exceção dos relatórios ocasionais de exigência, não existe ainda regulamentação governamental que trata dos riscos únicos colocados pelos materiais à escala nano métrica, e da desimpedida comercialização de produtos nano tecnológicos.

Enquanto não se sabe quantos trabalhadores são expostos aos nano materiais fabricados atualmente, o número de trabalhadores envolvidos em nanotecnologia está previsto para chegar tão alto quanto 10 milhões em todo o mundo em cinco anos. Dadas as incertezas quanto aos efeitos da exposição e da saúde, a sindical internacional da UIF (Unite Food, Farm and Hotel Workers World-Wide) pediu uma moratória sobre os usos comerciais da nanotecnologia em alimentos e na agricultura. Os participantes da conferência na Costa do Marfim fizeram a mesma recomendação sensata, recomendando a presença dos trabalhadores no desenvolvimento de programas de saúde e segurança e medidas relacionadas a fabricação de nano materiais, e os países foram estimulados a criar e fazer cumprir as disposições legais para garantir práticas seguras no que diz respeito à produção, transporte, uso e descarte de nano partículas e nano materiais.

QUEM ESTÁ NO CONTROLE?
A nanotecnologia oferece novas oportunidades para o controle do monopólio tanto da matéria animada quanto da inanimada. Em essência, o patenteamento em nano escala pode significar o monopólio dos blocos básicos que tornam a vida possível. Considerando que as patentes de biotecnologia fazem alegações sobre os produtos e processos biológicos, as patentes de nanotecnologia podem literalmente fazer alegações a elementos químicos, bem como aos compostos e aos dispositivos que as incorporam. Com as tecnologias em nano escala, a questão não se restringe apenas as patentes sobre a vida - mas sobre toda a natureza – que podem permitir uma abertura de novos caminhos para a biopirataria (veja contribuição Oduor Ong'wen nesta edição especial). O controle e a propriedade da nanotecnologia é uma questão vital para todos os governos, porque uma única inovação em nano escala pode ser relevante para vastas aplicações diferentes em diversos setores da economia.

Muitos dos que prevêem a nanotecnologia trazendo benefícios para a África ignoram a realidade da transferência de tecnologia e da propriedade intelectual. A propriedade intelectual está sendo conduzida pelo Norte e promove os interesses dos grupos econômicos dominantes, tanto no Norte quanto do Sul. Um estudo de 2006 relatou que a África representa apenas 0,4 por cento de todas as patentes concedidas em todo o mundo, enquanto os Estados Unidos e a Europa, juntos, respondem por 81,8 por cento [5].

Mais de 12.000 patentes no campo da nanotecnologia foram reconhecidas, concedidas em mais de três décadas (1976-2006) pelos três escritórios responsáveis pela maioria das patentes de nanotecnologia do mundo – a empresa estadunidense US Patent & Trademark Office (USPTO em inglês), o Instituto Europeu de Patentes e o Escritório Japonês de Patentes. [6] A partir de março de 2010, cerca de 6.000 patentes de nanotecnologia haviam sido concedidos pelo USPTO e mais 5.184 pedidos estavam esperando na fila. As corporações multinacionais, universidades e empresas de nanotecnologia (principalmente nos países da OCDE) asseguraram para si "patentes fundamentais” sobre as ferramentas da nanotecnologia, os materiais e os processos - ou seja, invenções primárias sobre as quais, mais tarde, as inovações serão construídas – e os “tickets das patentes” da nanotecnologia já estão causando preocupação nos EUA e na Europa.

Enquanto isso, os governos Africanos estão sob pressão para aprovar leis mais duras de propriedade intelectual que reconheçam os direitos dos proprietários de patentes. Em junho, o governo dos EUA, relatou o gasto de milhões de dólares em uma campanha anti falsificações no comércio (no inglês Anti-Counterfeits Trade Agreement ACTA), e organizou um seminário com duração de três dias em Kampala, onde a Comunidade do Leste Africano foi encorajada a assumir a liderança - no interesse da segurança pública! – no desenvolvimento de processos de aplicação de normas regionais. [7]

Pesquisadores nos países do Sul tendem a achar que a participação na propriedade da "revolução nanotecnológica" é muito restrita pelos pedágios da patente, que os obriga a pagar royalties e taxas de licenciamento para ter acesso - o que não é sugerir que a nanotecnologia, livre de patentes, fornecerá soluções para as necessidades mais prementes do sul. Pelo contrário, uma solução tecnológica nem sempre trará equidade.

Em última análise, no entanto, a nanotecnologia afetará profundamente a economia da África, independentemente do seu nível de participação direta ou do manuseio da propriedade intelectual. É fundamental que os países africanos dependentes de commodities ganhem uma melhor compreensão do sentido e dos impactos das transformações tecnológicas induzidas pela nanotecnologia, e participem na determinação de como as tecnologias convergentes podem afetar os seus futuros. Abordagens inovadoras são necessárias para monitorar e avaliar a introdução de novas tecnologias. Estratégias de alerta e escuta precoce devem ser desenvolvidas para acompanhar as mudanças tecnológicas. As recomendações apresentadas pelos participantes do workshop regional na Costa do Marfim foram um bom começo. O Grupo ETC, por sua vez, pediu a criação de um organismo geral e inclusivo, a Convenção Internacional para a Avaliação de Novas Tecnologias (ICENT) nas Nações Unidas, a fim de organizar melhor, também, as questões nano tecnológicas.

*Por Kathy Wetter trabalha para o grupo ETC Carrboro, como pesquisadora e assistente do diretor de pesquisa.
**Artigo traduzido por voluntário do programa E-volunteers da UNU, do qual a Fahamu/Pambazuka fazem parte.
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