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ILRI

Joaquim Malola afirma que acontecimentos recentes de violência policial na cidade de Maputo, Moçambique, apontam desafios significativos em termos da afirmação do Estado de Direito nesse país. Atentos a esses acontecimentos alguns jornais de Moçambique, tais como, o Notícias, o Savana e, principalmente, o país vêm reportando esses fatos como casos significativos de desrespeito às leis por parte das autoridades policiais. A partir do material desses meios, a presente pesquisa pretende analisar, centrando-se em dois eventos os quais poderíamos considerar de “revoltas populares contra o aumento dos preços dos bens e serviços” ocorridos entre fevereiro de 2008 e setembro de 2010, representações sobre práticas de violência policial (Adorno, 1996). Com esse objetivo buscamos discutir, através das matérias veiculadas nos mesmos: como as matérias descreveram as reações dos leitores face a violência policial perpetrada nesses eventos; quais foram os argumentos que os policias usaram para justificar o uso excessivo da força física; e, finalmente, problematizar como o governo local reagiu a esses casos de violência policial.

Em Moçambique nas décadas de crescimento que se seguiram aos traumas de depressão do socialismo e da guerra civil em 1994, o governo de Moçambique saído das primeiras eleições presidenciais e legislativas passou a pensar em si mesma como pacífica, numa palavra, democrático, tanto no sentido comum e moralmente efusivo do vocábulo, denotado a forma mais acabada de cultura e vida humana, no sentido “democrático” de John Rawls (1997). No decorrer dos anos 2008 e 2010, essa auto-imagem do governo democrático foi abalada por espetaculares explosões de “revolta popular”, principalmente na cidade de Maputo, crescentes tensões entre o governo e a população. Longe da reabsorção das tensões políticas entre os partidos políticos, tais como os experimentados pelo Madagascar no decorrer do ano 2009, onde o presidente da oposição Andry Rajoelina liderou a revolta contra o governo de Marc Ravalomanana. Enfim, o elemento mais espetacular da revolta popular em Moçambique hoje, já não é dado pelas referências a uma identidade política, étnica ou religiosa. Essas não constituíram um recurso eventualmente mobilizado para derrubar o governo, mas, para pressionar a aceitar como legítimo as suas reivindicações.

Essa nova forma de reivindicação aparece como ressurgimento, de um novo campo de dialogo político entre o governo e a população urbana. Um campo em que o governo passar a dedicar mais tempo aos problemas urbanos assim como tem o feito nos problemas rurais. Esse redimensionamento vai permitir que o governo seja mais da esquerda, do que como se tem apresentado até agora. Segundo Macamo (2010), um governo não pode representar toda a sociedade, sob pena de esvaziar de sentido a própria palavra. Dito doutra maneira, um governo que quer ser representante de todo o povo moçambicano, uma herança da luta de libertação nacional dilui a coerência do seu programa político torna difícil interpretar os problemas do país. O declínio dos partidos políticos e a perda do lugar central das relações sociais tornam improváveis a idéia de uma ligação entre a “revolta popular” e a inserção de seus agentes num conflito político, no sentido habitual da expressão. Não é mais a luta contra o partido político, a sublevação contra um adversário que mantém com os atores uma relação de dominação, e sim a não-relação social, a ausência de relação social, a exclusão social, eventualmente carregada de desprezo social, que alimenta condutas amotinadoras ou uma violência social mais difusa, fruto da raiva e das frustrações.

Nesse contexto, a “revolta popular” não é somente um conjunto de práticas objetivas: ela é também uma representação, um predicado que, por exemplo, grupos, entre os mais abastados, atribuem eventualmente, e de maneira mais ou menos fantasmática, a outros grupos, geralmente entre os mais despossuídos. Esses grupos de indivíduos despossuídos transformaram-se em “underclass ”. Segundo Wacquant (2005, p.95-96), não representa uma classe, nem a parcela mais desfavorável, eles são objetos de terror e desprezo do que de compaixão. São percebidos como geradores de uma ameaça, ao mesmo tempo físico, moral e físico, à integridade da sociedade urbana, elas dizem respeito aos “maus pobres” dos bairros pobres em que as suas condutas, seus estilos de vidas e seus valores são tidos como responsáveis pelos destinos lamentáveis e pelo declínio da cidade. O discurso do Ministro do Interior oferece um exemplo representativo do conceito “underclass”: “Essa gente que esta a manifestar, é marginal, vândalos, sanguessuga, pessoas que não querem trabalhar.”

Não podemos ignorar a existência, nos bairros da cidade de Maputo, de um grupo heterogêneo de famílias e indivíduos com comportamento diferente de um moçambicano da classe média. Fazem parte desse grupo pessoas sem formação nem qualificação, atingidas pelo desemprego de longa data ou pela inatividade, os indivíduos que já não têm esperança de conquistar um bem estar social, entregam-se ao crime, por conhecer anos de pobreza (WACQUANT, 2005, p.102). A cidade de Maputo foi assolada pelas desigualdades sociais. O estudo do Instituto norueguês- Chr. Michelsen (CMI), alerta que a desigualdade social cresceu em todas as cidades moçambicanas, com maior destaque para a cidade de Maputo. O estudo demonstra também que entre 1992 e 2003, o poder de compra da população urbana rica da cidade de Maputo cresceu 28 por cento enquanto o grupo de desfavorecido registrou uma perda da ordem dos 13 por cento (MEDIAFAX, 2008). Nos bairros de Maputo, o desemprego, a criminalidade e altos custos da alimentação, habitação e terra inibem os pobres de converterem o progresso na educação e saúde em rendimento e consumo melhorado. A subida da pobreza urbana e desigualdade em Maputo causam impacto adverso nas relações vitais urbano, e pode por em perigo a estabilidade política (MAZULA, 2010).

A pobreza urbana hoje é mais tenaz e mais concentrada do que na década 90, uma das condições é o desaparecimento de mercado do trabalho não qualificado e semi-qualificado e a falta de pressão jurídica sobre as grandes empresas empregadoras. A maioria da população tem pouca opção senão na atividade informais, ganhando dinheiro através de negócios ilegais. Para Elias (1993), nenhuma pacificação é possível enquanto á distribuição de riqueza for muito desigual e as proporções de poder demasiado divergentes e, vice-versa, nenhuma propriedade a longa prazo é possível sem uma pacificação estável. Depois de passar questões ligadas a desigualdade social na cidade de Maputo, gostaria de passar dois exemplos da “revolta popular” que norteara a nossa discussão.

Cinco de fevereiro de 2008, em Maputo, Moçambique, centenas de “população”, provenientes dos bairros periféricos da cidade, tomaram as ruas para enfrentar a polícia, depois de o governo ter pronunciado o aumento do preço dos transportes públicos informais conhecidos como “chapa.” Durante umas vinte horas eles se confrontaram com os policiais e a força de intervenção rápida (FIR), crivando de pedras, ateando fogo a dezenas de carros, as barricadas nas ruas, e tudo servia para impedir a circulação de automóveis: pedras, pneus e montes de entulho, aproveitado da proximidade de uma lixeira. Quando a calma retorna, contam-se duzentos e cinqüenta feridos e três mortos e o país entrava em estado de choque. A ira dos populares chegou assim no topo da agenda política e dominou o debate público por semanas.

Um e dois de Setembro de 2010, em Maputo: uma cadeia de eventos quase idêntica do dia cinco de fevereiro de 2008 provoca várias horas de tumultos nos bairros de Mafalala, Maxaquene, Xequelene, Hulene, Magoanine, 25 de Junho, Inhagoia, Jardim e Benfica. A violência eclode depois de o governo ter decretado a subida do preço de pão, água e energia em todo Moçambique. A população levantou barricadas, apedrejavam todas as viaturas que circulavam, queimava pneus, saqueava estabelecimentos comerciais. Quando a polícia contra ataca, limitou-se a disparar indiscriminadamente, usando força excessiva, mas não efetuando movimentos de persuasão e dissuasão como mandam as regras. Balas de borracha (shotguns) foram disparadas diretamente para as multidões (como documentou o Centro de integridade pública a comunicação social) sem se observar as precauções obrigatórias. As balas de borracha são instrumentos usados em todo o mundo para dispersar revoltas violentas, mas elas tornam-se armas letais quando não são disparadas a mais de 25 metros de distância e em direção ao chão; por regra, essas balas só podem ser atiradas de modo a fazerem ricochete, antes de atingir o alvo. Em todas as situações da semana passada, foram apontadas armas diretamente aos revoltosos, numa violação das regras, causando mortes.

O uso de gases também não obedeceu às regras. No dia um e dois de Setembro, gases eram disparados pelos agentes da Polícia e também pela Força de Intervenção Rápida (FIR) sem observarem a direção do vento, uma regra elementar. Isso fez com que o efeito dos gases atingisse grupos pacíficos que apenas observavam os revoltos. A Polícia foi vista a lançar quantidades enormes de gás lacrimogêneo para quintais em zonas residenciais, atingindo mulheres e crianças que nem sequer se tinham feito à rua. Há relatos de pelo menos uma morte originada por esse comportamento. Foram vistos também agentes da polícia a disparar armas letais do tipo AK-47, aos revoltosos que resultou em dezesseis mortos (algumas delas crianças com uniformes escolares) e três centenas de feridos graves e ligeiros. Trata-se de uma agressão a direitos humanos ou negação de reconhecimento do outro. Ela parece revelar, contudo o efetivo significado da impunidade na sociedade moçambicana.

Por um lado, sintetiza a comunhão de sentimentos coletivos de ódio e vingança de uns - os “iguais” - em relação a outros, “os diferentes”, cujos juízos valorativos circulam pelo senso comum sem quaisquer interditos, inclusive morais. Sob esta perspectiva, as autoridades policiais somente podem aparecer aos olhos de alguns cidadãos comuns como “vingadoras” de fato e por direito. Seu papel não é assegurar direitos, porém punir, punir exemplarmente, com muito rigor e sem quaisquer condescendências. Assumindo o papel de “vingadoras,” a polícia julga-se isentas das restrições impostas pela lei ao abuso de poder e de autoridade. Assim, o problema da impunidade na sociedade moçambicana não resulta da crise da autoridade. O que se deixa entrever nos noticiários da imprensa escrita é a existência dos “intocáveis.” Numa sociedade onde a lei só é aplicada para os “tocáveis,” grupos sociais singulares como os pobres. Um ilegalismo que transformou- se num circulo vicioso de reconhecimento do clientelismo, que colocam em confronto as forças da legalidade versus o mundo dos ilegalismos. Tomando como referência a esses acontecimentos.

O objetivo deste artigo é, antes de mais, o de analisar como os jornais moçambicanos, tais como, o Notícias, o Savana e, principalmente, o País, vêm reportando a violência policial ocorrido entre os dias cinco de fevereiro de 2008 e um e dois de setembro de 2010 a chamada “revolta popular contra o aumento dos preços dos bens e serviços.” Três problemas nos interessa em particular: O primeiro é de saber, como as matérias jornalística descreveram as reações dos leitores face a violência policial. O segundo, perceber quais foram os argumentos que os policias usou para justificar o uso excessivo da força física. Terceiro é de compreender, como o governo local reagiu a esses casos de violência policial. Nesse sentido a primeira parte deste artigo analisara as causas da violência policial em processo de violência contínua, como ela se instalou numa forma persistente, onde o recurso a violência policial é única forma de manter o consenso. A segunda parte apresenta as percepções e representações da violência policial descritos nos jornais (as reações da polícia, governo e dos leitores). Concluismo, com uma resposta aos problemas acima mencionados. A perspectiva deste trabalho é a de contribuir para a revisão do modo de atuação policial, na etapa em que o trabalho policial passa a ser sector – chave para a dinâmica da segurança pública. Deve ser acrescentando que a perspectiva deste trabalho incorpora como variáveis endógenas, o nível político ou as condições políticas do sistema moçambicano.

Violência policial

Se a resposta for a violência policial, qual é a pergunta? Por que motivo a violência policial atingiram níveis tão alto que a sociedade civil quase desapareceu na fiscalização e debate da violência policial? Por que a sociedade civil vê desprovido de base segura para monitorar as violências policiais? Por que as organizações públicas ou o regime democrático em processo de consolidação não foram capazes de pacificar a violência policial? E o que explica a concentração da violência policial em processo de violência contínua? Ainda é prematura uma análise exaustiva das razões sociais e políticas que tornaram possíveis aqueles acontecimentos violentos por parte da polícia. Certamente, elas têm raízes mais complexas do que é possível analisar nos limites deste artigo. Sejam o que forem essas razões, a emergência da violência policial em Moçambique não pode ser descolada das condições e tendências existentes de uma sociedade totalmente “autoritária”, em especial a partir dos anos 1975, a qual não desmente as narrativas da” violência policial”. A mais óbvia dessas causas, embora necessariamente a mais importante, é o “autoritarismo policial socialmente implantado.” Como demonstra Aministia Internacional (2000):

A polícia em Moçambique parece pensar que tem licença para matar e o fraco sistema de responsabilização da polícia permite isto,” afirmou Michelle Kagari, Directora-adjunta do Programa África da Amnistia Internacional. “Em quase todos os casos de violações dos direitos humanos pela polícia – incluindo homicídios ilegais – não houve qualquer investigação ao caso e não foram tomadas quaisquer medidas disciplinares contra os responsáveis e, da mesma forma, nenhum agente da polícia foi processado.

A diferença entre transgressores e os policiais não deve ser o seu poder de fogo, mas o treinamento profissional, efetuado pelo Estado (LIMA, 1997, p.74). Há violações dos direitos humanos por parte da polícia (mesmo as garantida na constituição), falta de respeito pelos direitos civis nas relações interpessoais. O “autoritarismo policial socialmente implantado” esta atrelado a um “etho militar” que tem definido a atuação da polícia, recentemente constituído por militares das Forças populares da libertação de Moçambique (FPLM), isto entre 1974 – 1975 e 1994. É que o novo policial não esta infenso a valor culturais de uma polícia fortemente “autoritária que recusa a negociação da ordem no espaço público. Este sistema é incompatível com os requisitos exigidos pelo Estado de direito e pelas práticas dos direitos civis. Segundo Adorno (2009, p.178), na sociedade moderna não há, por conseguinte, qualquer outro grupo particular ou comunidade humana com “direito” ao recurso à violência como forma de resolução de conflitos nas relações interpessoais ou intersubjetivas, ou ainda na relação entre o estado e o cidadão. O segundo fator, alertado pelo Centro de Integridade Pública (2010), é a persistência da falta de treinamento e equipamento, no entanto, a respeito ao uso de arma de fogo, que fazem com que a polícia continua tão violenta como o passado.

O artigo Roberto Kant de Lima pode nos fornecer algumas referências essências para refletir o problema da formação policial. E preciso antes de, mas nada, procurar saber se os policiais fazem aquilo que consideramos errado porque não sabem o que é correto? (1997, p.76). Na verdade devemos perguntar aquilo que chamamos de falta de treinamento e equipamento não é um preparo humano e material informado por nossos valores “autoritário”? Nas palavras do Centro de Integridade Pública (2010, p.7):

Uma vez no terreno, as conseqüências da má instrução dos agentes, da ausência de comando único e, principalmente, da ausência de um ou dois agentes da FIR em cada Esquadra para comandar as operações, fizeram-se notar: no dia 1 de Setembro, os agentes da Polícia de Proteção fizeram-se à rua mal equipados, munidos de capacetes, coletes e armas do tipo AK 47, alguns poucos com shotguns de balas de borracha e artifícios de gases, limitando-se a disparar indiscriminadamente, usando força excessiva, mas não efetuando movimentos de persuasão e dissuasão como mandam as regras [...] Balas de borracha foram disparadas diretamente para as multidões (como documentou a comunicação social) sem se observar as precauções obrigatórias. As balas de borracha são instrumentos usados em todo o mundo para dispersar revoltas violentas mas elas tornam-se armas letais quando não são disparadas a mais de 25 metros de distância e em direção ao chão; por regra, essas balas só podem ser atiradas de modo a fazerem ricochete, antes de atingir o alvo. Em todas as situações da semana passada, foram apontadas armas diretamente aos revoltosos, numa violação das regras. Estes descuidos causaram algumas das mortes ocorridas pois as balas de borrachas são letais quando disparadas diretamente para um alvo [...] Dispositivos para o uso de balas de borracha foram usadas por agentes da polícia de proteção, que não estão preparados para o uso desse tipo de armamento.

Roberto Kant de Lima observa que a formação policial: deve ter em vista uma perspectiva democrática, fundamentando-se nas seguintes premissas: a política de um emprego da polícia numa sociedade democrática é parte da política geral de expressões da cidade e da universalização dos direitos; a polícia é um serviço público para a proteção e defesa da cidadania; o fundamento da autoridade policial é sua capacidade de administrar conflito (1997, p.77). Se o problema do nosso polícia for à da formação, temos que incluir temas como: cidadania, direitos humanos, técnicas de negociação e neutralização específico dos conflitos, tanto na formação básica e superior. “Essa “medida pode modificar o “etho militar” arraigado no “autoritarismo polícial socialmente implantado.” “A nossa formação policial têm sido tradicionalmente centrado na” instrução- mecânica”, onde se busca a padronização de procedimentos policial, retirando a capacidade reflexiva, transformando o policial em um robô, que só sobrevive de comandos. A formação policial tem que incluir processos de formação acadêmica e profissional que os atualizem em termos de procedimentos vigentes de construção da cidadania e consolidação do processo democrático (LIMA, 1997).

O terceiro fator, desprezada entre os acadêmicos moçambicanos, é a persistência da “ morte total” de grupo de pressão ao Estado a responsabilidade de fazer valer serviço público para a proteção da cidadania. A explicação dessas “mortes total” tem haver com o alargamento das práticas autoritárias que havia se estendido após independência de Moçambique em 1975, a todos os níveis da vida social que permaneceu preso ás cadeiras do presente, onde ainda não existe uma separação clara entre o público e o privado; entre o partido e o estado. Um país onde não existe um grupo associativo que os seus membros partilhem pelo menos um interesse comum, que vise pressionar qualquer instância do poder político (executivo, legislativo, autarquias locais). Macamo (2010) nos da um exemplo bem nítido deste assunto em forma de uma crônica:

por exemplo, as crônicas bastante objetas de um vice-ministro que escreve sob pseudônimo no jornal “ Domingo” pode ser interpretadas como manifestações de arrogância do partido no poder – e outras circunstâncias teriam conduzido ao afastamento do Governo para continuar a escrever sem comprometer a imagem do executivo ou então à suspensão das crônicas – mas são, sobretudo, um comentário sobre a incapacidade da nossa esfera política de gerar pressão política susceptível de moralizar a ação governamental sem recurso a manifestações primitivas da violência.

A “morte total” de grupo de pressão em Moçambique. Significaria isso, tomando emprestadas as palavras do eminente sociólogo moçambicano Elisio Macamo (2010) de que há uma cultura de credulidade de aceitarmos tudo como normal e da incapacidade da nossa esfera política de gerar pressão política. Podemos dizer que nesse humor não falta apenas graça; falta também perspectiva cientifica e histórica. No entanto, qualquer mobilização da violação policial, por mais legítima que seja, deve responsável. Responsabilidade, aqui tem dois sentidos: um prévio e outro posterior. Deve haver responsabilidade de meios, ou seja, deve-se cuidar para que os objetivos pretendidos pelos grupos sociais não sejam alcançados por meio de mecanismos inconseqüentes. Deve haver, também, responsabilidade dos fins, ou seja, se, na busca das reivindicações, os policiais se utilizarem de meios indevidos, exagerados, alguém deve responder por eles, do que invocar uma suposta criminalização.

Percepções e representações da violência policial.

As percepções e representações sociais configuram uma determinada ordem de valores e um sistema do mundo caracterizado por um conjunto de idéias e símbolos que orientam as práticas sociais de um determinado grupo. Assim, num sentido lato, o conjunto de percepções sociais é definida como “ uma representação do mundo exterior a partir dos significados, que são aprendidos e interpretados como um mundo ordenado de totalidade (BERGER e LUCKMAN, 1990) e que a representação é tida como “ imagem que condensam um conjunto de significados (JODELET,1984; MOSCOVIC, 1988). É precisamente sobre significados que a polícia, governo local e a população comum têm sobre a violência policial. Com objetivo de compreender as conseqüências e os limites que a violência policial traz para o processo de construção de uma cultura política democrática em Moçambique.

O que dizem as percepções e representações sócias dos policias, do governo e da população em geral, da violência policial ocorrido entre os dias cinco de fevereiro de 2008; um e dois de setembro de 2010 na chamada “revolta popular contra o aumento dos preços dos bens e serviços”. Comecemos, nesta primeira parte, com o discurso da polícia, seguindo do governo e finalmente dos leitores. Em nota à imprensa o porta-voz do Comando Geral da policia da República de Moçambique, disse no dia 1 de setembro na conferencia de imprensa convocado pelo Comando Geral da Polícia, que estamos dispostos a estabelecer a ordem e segurança com todos os meios, se a isso, formos obrigados (SAVANA, 2010).

O pronunciamento do porta-voz da polícia demonstra um “autoritarismo policial socialmente implantado”. Num país, onde há falta de cultura de responsabilização, como diz Macamo (2010), a responsabilização acontece quando as pessoas não são chamadas “ a cumprir uma missão”, mas a contribuir com a sua criatividade e inteligência para abordagem política de problema nacionais e a conseqüência mais evidente desse processo da falta de responsabilização faz com que a polícia use abusivamente a força física para conter “ as revoltas populares”. “Tem o seu peso na herança de uma cultura autoritária.” Como se as forças da democratização do país nada contassem para um estado democrático de direito. E a que onde reside o argumento de Macamo (2010), de que o governo tem culpa após vencer as primeiras eleições democráticas não foi capaz de criar uma cultura política no seu seio que encara as tarefas incumbidas de uma forma critica e não simplesmente cumpri-las. Podemos perceber através do discurso que a polícia moçambicana só funciona e só se justifica por essa perpetua referência a uso excessivo da força física, ela esta voltada a essa qualificação.

O Estado moçambicano atua como compensador da violência policial, que são concebidas como naturais fossem, através da imposição de regras gerais. Vejamos como o porta-voz do governo, à nota da imprensa: “os moçambicanos tem que trabalhar, para minimizar o custo de vida” (SAVANA, 2010).

O discursa do Estado demonstra, uma ambivalência moral que recusa os direitos civis em nome de uma polarização moral que lhe foi próprio da nossa cultura política de que um “bom político é político autoritário.” Onde o estado não se preocupa em falar de direitos humanos e cidadania. Um estado que não reconhece quais são os direitos fundamentais, sua natureza, seu fundamento e como garanti-las. O direito humano representa a prova de que valores podem ser consideradas humanamente fundamentadas e reconhecidas como consenso geral que não devem ser violadas (BOBBIO, 1992, p.26). O Estado é muito forte do que o indivíduo, por isso, tem o dever de defender do que tirar vidas para se defender. Ora, em Moçambique, nenhuma dessas condições esta presente, no momento.

Dando continuidade as percepções e representações da violência policial, tratemos agora dos leitores dos jornais. Estes leitores que escrevem nos jornais são na sua maioria pessoas diplomados em ciências sociais. Suas falas demonstram um desprezo pelo uso excessivo da força física para conter as “revoltas populares. Um leitor critica severamente a reação da polícia:
Por mais argumentos que se possam levantar, não há nada que justifique uma reação com a violência que se assistiu, no dia de ontem, para manifestar o que quer que seja, sobretudo porque a manifestação é um direito constitucionalmente reconhecido a todos os cidadãos deste país. Basta requerê-lo para de ele usufruir. Uma manifestação com violência atinge pessoas inocentes, como sucedeu ontem, e essas pessoas são tão assoladas pelo aumento do custo de vida quanto os seus agressores. E isso tudo era perfeitamente evitável. Por esse fato, do ponto de vista da forma, estas manifestações são absolutamente condenáveis e intoleráveis!

Eis outra reação sobre a violência policial:

Estou extremamente preocupado devido a esta situação grave. Verifica-se uma ordem de ordem emocional e uma situação grave que pode ser vista de várias maneiras. Em primeiro lugar como um tributo de um cansaço social de muito tempo que se expressa de forma anárquica e com tendência para aumentar. Este tipo de problemas sociais que se geram de qualquer maneira pode ser a reflexão o que está a acontecer na África do Sul há bastantes dias. O que é necessário notar é que estão a se fazer disparos com balas reais, e assim a situação é triste e ter muito cuidado com o que se está a passar porque podem se tornar bem mais graves e complexas.

A sociedade moçambicana precisa incorporar valores democráticos e estaria mais próximo do estado de direito, o mesmo movimento valeria para a sociedade que precisa de valores democráticos amparado nas leis. “Todo “o problema da “violência policial” implica uma “reforma”, uma” renovação” do estado. Dito de outro modo de toda a sociedade. É necessário criar mecanismo que produz um ambiente cívico entre os grupos, favorecendo a redução do uso da violência física para resolver os conflitos.

CONCLUSÃO

No presente artigo exploramos os diferentes fatores que podem ajudar a explicar as razões pelas quais a polícia de Moçambique é tão violenta. As razões aqui identificadas podem ser resumidas num conjunto de tópicos. O autoritarismo policial implantado. Atrelado a um “etho militar” que tem definido a atuação da polícia, recentemente constituído por militares das Forças populares da libertação de Moçambique, isto entre 1974 – 1975 e 1994 os que explicam a concentração da violência policial em processo de violência contínua. Nesse ponto o que nos falta é a pretensão do Estado, de sua autoridade e dos seus representantes políticos eleito segundo as regras do jogo democrático formal fazer virar o jogo.

Em segundo lugar: a violência policial este ligado a falta de treinamento e equipamento no, entanto, a respeito ao uso da arma de fogo pela polícia. “A “formação policial em Moçambique esta ligado directamente ou indirectamente a idéia de “treinamento” ou” instrução” onde se busca a padronização de procedimentos policiais, na base de repetições mecânicas, reproduzindo assim uma “ cultura” marcadamente autoritária. Terceiro lugar: a democracia em Moçambique emerge de um longo período de guerra civil e têm uma longa história de repressão, por isso, não permite o florescimento de grupo de pressão, ou seja, grupos que vise pressionar qualquer instância do poder político (executivo, legislativo, autarquias locais).
Em quarto lugar: os leitores descreveram a reação da polícia como violenta. Parece que a polícia em Moçambique tem licença para matar e o não existe sistema de responsabilização da polícia. Não há qualquer investigação ao caso e não nunca foram tomadas quaisquer medidas disciplinares contra os responsáveis e, da mesma forma, nenhum agente da polícia foi processado. Em quinto lugar: a polícia justificava a sua intervenção violenta como forma de manter o consenso. Onde o uso da violência é apropriado pela polícia como forma de negociação da ordem no espaço e na esfera pública. Esses atos não são compatíveis com os requisitos exigidos pelo estado de direito.

Sexto ponto: o governo reconhece como normal a violência policial. Tudo indica, portanto, a partir da análise de cenários distintos, porém interconectados, que os fatos descritos não são episódicos, ocasionais ou conjunturais. Todas suas características fazem parte de um – modus vivendi, dinâmica, relações entre cidadão e autoridades etc. - apontam para conclusão inversa: trata-se de fatos rotineiros, cotidianos, com larga aceitação entre diferentes grupos da sociedade moçambicana. Parece haver uma inclinação ou disposição da sociedade para reconhecê-los como "normais", como se fossem meios naturais de resolução de conflitos seja nas relações entre classes sociais seja nas relações intersubjetivas. Tudo isso contrasta, por conseguinte, com o acelerado processo democratização experimentado pela sociedade moçambicana, em especial a partir dos anos 1994, cujas conseqüências caminharam no sentido de conformar esta sociedade como uma sociedade autoritária.

A conjugação destes fatores no contexto moçambicano demonstra claramente, um grande hiato entre os direitos políticos e os direitos sociais. Esse hiato manifesta-se, sobretudo através de um conflito entre as exigências da democracia política e a da democracia social. Se hoje, na sociedade moçambicana, pode-se dizer que o processo de transição democrática promoveu a ampliação da participação política, mas não foi capaz de ampliar os direitos civis. A violência policial persiste como sendo um dos grandes desafios a preservação e respeito dos direitos humanos. No entanto, este artigo não pretende apresentar uma explicação exaustiva sobre a violência policial em Moçambique, mas equacionar hipóteses que, partindo embora de dados recolhidos em investigações generalistas anteriores, necessita de ser testadas com maior profundidade através de pesquisas empíricas específicas.

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*Joaquim Malola é moçambicano e mestrando na Usp
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