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Nestes últimos dias de libertações felizes, uma das grandes questões que se colocam é saber se a Justiça angolana se corrigiu por pressão de quimbandas, por influência de pressões internacionais ou se, pelo contrário, funciona segundo os critério próprios de um Estado de direito democrático.

A situação em que se mantém Francisco Mapanza “Dago Nível Intelectual” levanta de facto muitas dúvidas.

A 28 de Março de 2016, na leitura da sentença dos 15+2, o já famoso (e infausto) juiz Januário Domingos condenou de forma sumária Francisco Mapanza, que desde a primeira audiência ousou classificar o julgamento como uma palhaçada. O juiz aplicou-lhe uma pena de oito meses de prisão. 

Por entre a agitação provocada pela detenção imediata e ilegal dos 17, o encarceramento simultâneo de Mapanza passou despercebido à opinião pública.

No entanto, Francisco Mapanza é tão digno de atenção como os restantes presos políticos. Activista inocente como todos os outros, não se percebe por que razão se mantém preso, ao contrário dos 17. 

Apesar de desconhecer os detalhes específicos do seu processo, há princípios básicos que se aplicam a quaisquer reclusos, como a igualdade perante a lei. Tendo em conta que Nito Alves terá feito o mesmo que Mapanza, não existe fundamento legal para que aquele continue preso. 

Perante esta situação, o regime parece ser vulnerável às forças conjuntas dos quimbandas e das pressões internacionais: tendo o foco sido colocado nos 17, esqueceram-se do 18.º. E este fica a penar… 

Esta decisão de manter detido Francisco Mapanza – como aliás todo o tipo de julgamentos a que o juiz Januário nos habituou – não tem qualquer sentido. 

Mais, existe em Angola um problema geral de anacronismo e de desadequação técnica da lei.

Como se sabe, o Código de Processo Penal angolano, onde estão regulados os passos que os juízes devem dar para determinar as sentenças judiciais, é o antigo Código português de 1929. Este Código entrou em vigor durante a Ditadura Militar portuguesa, que foi instaurada em 1926, levando poucos anos depois Salazar ao poder. É, por isso, um Código que foi originalmente pensado para um Estado de tipo fascista, e não para um Estado de direito democrático. O princípio penalista predominante nesse Código é o chamado princípio do inquisitório, segundo o qual se minimiza o processo penal, confiando-se a um único órgão os poderes de acusação e de julgamento. Ao mesmo tempo que o juiz controla quer a instrução quer o julgamento, é negada a igualdade jurídica entre o acusador e o acusado. 

Ora, se é verdade que houve sucessivas alterações legislativas que alteraram um pouco a pureza deste modelo consagrado no Código original de 1929, reforçando-se os poderes do Ministério Público e em certa medida a Defesa, o certo é que, estruturalmente, vigora em Angola um Código de Processo Penal incompatível com a Constituição de 2010. Temos um Código de Processo Penal para-fascista e uma Constituição formalmente democrática.

Nessa medida, e enquanto o legislador não criar um novo Código, compete aos juízes adaptarem a Lei à Constituição, no sentido de aplicarem directamente as liberdades fundamentais. 

É aqui que o juiz Januário falha em toda a linha, pois não interpreta o Código numa perspectiva contemporânea e à luz da Constituição. Pelo contrário, utiliza os poderes ditatoriais que o Código lhe confere, ao arrepio da norma fundamental. 

O juiz Januário deveria submeter a aplicação da Lei do Processo Penal (antiquada e para-fascista) aos interesses maiores da Constituição.

É urgente que o faça, e é urgente que liberte Francisco Mapanza, antes que surja mais um movimento internacional  pela libertação dos presos políticos em Angola, dando novamente razão àqueles que não acreditam na Justiça angolana.