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Movimentos Sociais e organizações da sociedade civil urgem uma imediata suspensão das acções da JICA ao ProSavana e exige acções imediatas de revisão dos seus procedimentos, reconhecimento dos seus erros, reparo aos danos causadas às vítimas e à sociedade moçambicana.

 

Organizações moçambicanas da sociedade civil, articuladas na Campanha Não ao ProSavana, enviaram recentemente uma carta aberta ao Presidente da Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA), Shinichi Kitaoka, protestando contra a atuação da agência japonesa sobre a sociedade moçambicana, no âmbito do programa de desenvolvimento agrário mais resistido em Moçambique, o ProSavana.

A carta, a que o Pambazuka teve acesso, urge uma imediata suspensão das acções da JICA ao ProSavana e exige acções imediatas de revisão dos seus procedimentos, reconhecimento dos seus erros, reparo aos danos causadas às vítimas e à sociedade moçambicana.

Através do seu financiamento, a intervenção da JICA tem, afirma a carta, “tendências a influenciar e desestabilizar o processo democrático e transparente em volta do ProSavana, trazendo impactos negativos sobre os direitos humanos, direitos sobre terra e segurança alimentar dos camponeses afectados”.

A JICA é ainda acusada de retirar toda a independência à sociedade civil moçambicana e causar sua fragmentação.

Dentre outras denuncias, a agência é acusada de ter definido uma estratégia de comunicação para o ProSavana que desvaloriza as acções e poder da sociedade civil Moçambicana; contratar uma empresa de consultoria de conduta duvidosa (MAJOL) para investigar a posição e interesses das organizações que se opõem ao ProSavana e identificar grupos a favor, o que mais tarde veio a possibilitar o surgimento do problemático Mecanismo de Coordenação da Sociedade Civil para o Desenvolvimento do Corredor de Nacala (MCSC-CN), considerado um braço do próprio ProSavana.

A carta denuncia ainda a contratação, através da JICA, de representantes de ONGs e sociedade civil de Moçambique, expressamente a favor do ProSavana, como consultores da agência. O exemplo disso é a contratação da organização Solidariedade Moçambique e do seu director executivo, António Mutoua, ambos integrantes do Mecanismo da Sociedade Civil que apoia o ProSavana, para, entre outras ações, facilitar o  “mapeamento dos distritos alvo de ProSavana com objectivo de colocar as comunidades contra a Campanha Não ao ProSavana e promover  a aceitação ao MCSC-CN em Nampula, onde as uniões locais dos camponeses se opõem fortemente ao ProSavana e ao processo de criação do MCSC-CN”, diz a carta.

Os redatores do documento consideram que a JICA faz um uso injusto e obscuro de fundos públicos dos contribuintes japoneses em nome da cooperação internacional, que tem sido repetidamente contestada pela sociedade civil moçambicana, brasileira e japonesa (os 3 países proponentes do ProSavana).

A carta afirma ainda que “em bom rigor, não constitui verdade que a JICA só está trazer o desenvolvimento ou ajudando, considerando que a sua atuação está a pôr em causa, de entre outros, o princípio do ´Não causar danos` (Do no Harm). A atuação da JICA, como os seus próprios documentos indicam, está a criar condições que dificultam a governação justa, democrática, transparente e responsável de Moçambique”.

“Esses factos e revindicações têm vindo a ser denunciados publicamente, sobretudo através de comunicados de imprensa. No entanto, ao invés de responde-los, a JICA fortaleceu as suas intervenções maléficas no seio da sociedade civil moçambicana”, denuncia o documento.

A carta já teve apoio de dezenas de organizações da sociedade civil e movimentos sociais do Brasil e Japão, os quais, colectiva ou individualmente, endereçaram por seu turno cartas de apoio aos posicionamentos e demandas levantados na carta aberta.

Em 2013, a Campanha Não ao ProSavana endereçou aos governos de Moçambique, Japão e Brasil uma carta aberta “para deter de forma urgente o Programa Prosavana”. Esta carta teve centenas de assinaturas de organizações moçambicanas e internacionais.

Na ocasião, sem devidamente responder ao conteúdo do documento, o governo de Moçambique, através do então ministro dos transportes e comunicações, Paulo Zucula, ignorou a relevância da carta já que, na sua opinião, o suposto analfabetismo dos camponeses não lhes permitiria redigir um documento com tal perfeição: “se eles (camponeses) tivessem mesmo escrito, eu haveria de dizer que o analfabetismo já acabou em Moçambique. Mas os nossos camponeses ainda são analfabetos para fazer uma carta tão perfeita como aquela”, afirmou Paulo Zucula no decorrer de um vento sobre o ProSavana em Yokohama, Japão, em Junho de 2013.

Prosavana é um programa que resulta de uma parceria trilateral dos três governos com o objectivo de, supostamente, promover o desenvolvimento da agricultura nas savanas tropicais do Corredor de Nacala, no Norte de Moçambique.

_____  * - Boaventura Monjane é jornalista e ativista social moçambicano. É doutorando em Pós-colonialismos e Cidadania Global no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra