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Quando se procura cotejar as propostas contidas nos programas eleitorais de MpD e PAICV, aquelas que de facto estão disponíveis, porquanto para o MpD terá de se pesquisar os discursos eleitorais do seu líder Ulisses Correia para se conseguir encontrar as diferentes propostas, acaba-se por verificar que são em vasta medida coincidentes e não levaria a supor que ambos não se poderiam encontrar numa plataforma comum. Excepto em pequenas questões que são, do ponto de vista de uma análise crítica, os motivos da derrota do partido do Governo em detrimento da oposição.

Aparte as linhas de orientação, neoliberalizantes em ambos os partidos, com propostas de diminuição do sector público, privatização ou concessões de importantes infraestruturas quer marítimas, quer aeroportuárias, e até a revisão das leis do trabalho, pouca matéria se encontra diversa. Porém a referência à solução (leia-se privatização) dos TACV ou ENAPOR e venda das participações ainda detidas pelo estado quer maioritárias, caso dos CCV, ou residuais, caso da ENACOL, bem como a descida das contribuições para a segurança social, foram os pontos que ditaram a diferença de projecção entre as duas candidaturas ditando a sua vitória ou derrota.

O afastamento por parte do PAICV da sua matriz histórico-ideológica, com a aplicação de uma política manifestamente ao serviço das empresas e do capital financeiro, pode ter-lhe garantido os favores destes interesses ao nível nacional e internacional, nomeadamente da União Europeia, e a sua manutenção no poder durante 15 anos, garantindo aos mesmos uma relativa estabilidade social, com menores e menos expressivas reivindicações laborais e sociais por parte dos trabalhadores, mas foi gerando também junto das suas bases a erosão de um apoio essencial, apoio esse que advinha de verem espelhados na governação os interesses das camadas trabalhadoras e desfavorecidas.

A imposição do paradigma, muito em voga por outras paragens, da fungibilidade entre o factor trabalho, capital e recursos materiais e energéticos, tal como se este fosse um mero custo de produção igual a qualquer outro, e as carências cada vez mais notadas a nível de serviços sociais, tais como sistemas de transportes eficientes (deixados na maior parte das vezes nas mãos de companhias privadas visando o lucro, ou às mãos de uma informalidade desregrada), alienou do partido as massas que ideologicamente lhe seriam mais próximas, para a abstenção uma parte, ou em busca de outras respostas para aquelas para as quais as implicações de um voto à esquerda eram menos perceptíveis.

Por outro lado, o esgotamento da capacidade que este partido tinha para avançar mais ousadamente em políticas de orientação neoliberal, sob o risco de acentuar as contradições internas, deslocaram o interesse do capital nacional, mas principalmente do estrangeiro para privilegiar e difundir junto das camadas menos politizadas, e há que reconhecer são em Cabo Verde a vasta maioria, as propostas e a propaganda do MpD. Este está nas condições de ser, neste momento histórico e político, em condições bem mais vantajosas para eficientemente ser o intérprete destas políticas, retirando cada vez mais poder ao Estado de ser determinante, ou sequer regulador, numa economia liberalizada, aberta e extremamente sujeita aos vectores internacionais.

É óbvio que o seu consulado durará apenas o tempo que durarem uma de duas condições: 1 - O desenvolvimento do paradigma neoliberal - acumulação de capital, salários baixos, cortes nas regalias sociais e serviços públicos, descida de custos para as empresas; 2 - A ausência de uma contestação social de dimensões significativas perante os sucessivos aumentos do custo de vida e da perda de direitos laborais e sociais.

Na nova fase que se abriu com as eleições de dia 20, cabe agora ao PAICV decidir se pretende reequacionar à esquerda a sua postura e prática política, dando voz às classes que se enfrentarão com os resultados das políticas, se pretende convulsionar-se em torno de duas correntes (uma manifestamente mais alinhada com a futura linha governativa do país e outra mais contestatória) ou ainda se irá acabar por criar espaço a outros partidos políticos alinhados mais à esquerda e com condições de se implantarem junto dos trabalhadores do turismo, e pequenas empresas industriais ou de serviços, que neste momento encontram uma resposta não ideológica mas de qualquer forma de rejeição às políticas praticadas no seio da UCID.