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Ao pedir a suspensão do seu mandato de deputada, a filha do Presidente da República, Tchizé dos Santos, deu um exemplo de humildade e de reconhecimento dos seus erros por ter criado incompatibilidades entre os seus negócios privados e o papel de representante eleita do povo angolano.

Em finais de Agosto passado, o grupo parlamentar do MPLA, através do ofício n°
249/GAP/PRES/GP-MPLA/09 solicitou a substituição da referida deputada pela Sra. Eufémia Hambeleleni, invocando as circunstâncias que impossibilitam Tchizé dos Santos de “participar nas actividades da Assembleia Nacional”. Tchizé dos Santos aceitou integrar, em Junho passado, a comissão de gestão da TPA 1, o canal público de televisão, a convite do ministro da Comunicação Social, Manuel Rabelais.

De forma inequívoca, a secretária-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), Luísa Rogério, manifestou publicamente, em nome da classe jornalística, a sua oposição à nomeação da então deputada para a direcção interina da TPA 1.
O debate escaldou quando a deputada ameaçou intentar uma acção judicial contra a
secretária-geral do SJA. A opinião pública mostrou-se solidária para com Luísa Rogério. Por sua vez, o MPLA e o Ministério da Comunicação Social refugiaram-se no silêncio, enquanto Tchizé dos Santos se atirava às feras. O poder não a defendeu, sacrificou-a. As incompatibilidades da Tchizé dos Santos, enquanto deputada e gestora eram múltiplas. A empresária é sócia-gerente da Semba Comunicações, uma empresa privada ligada à gestão de conteúdos da TPA 2; da Acomotor, uma empresa de gestão e participações; da Sociedade de Telecomunicações, Sotelnet; da empresa de exploração mineira Njula Investments associada à Endiama, etc.

Todavia, o caso de promiscuidade entre o serviço público e os interesses privados não se manifesta apenas na conduta de Tchizé dos Santos. Essa é a prática venerada ao nível dos órgãos de soberania. Consta que a referida cidadã havia solicitado o parecer da liderança da bancada parlamentar do MPLA, sobre o convite do ministro para integrar a direcção interina da TPA 1, e terá obtido o parecer favorável para o efeito. Formado em direito, o ministro Rabelais tinha plena consciência do seu acto em convidar uma deputada, cuja posição hierárquica na esfera do Estado é igual à sua, para servi-lo como subordinada.

Manuel Rabelais, por tempo considerável, acumulou a sua função de ministro com a de director-geral da Rádio Nacional de Angola. Era ministro-director. Agora é ministro-gerente pois também exerce as funções de sócio-gerente da Viconje, Albertimar, entre outras inciativas privadas. O Presidente da República, José Eduardo dos Santos, tem denunciado publicamente a acumulação de funções, por membros do seu governo, com a gestão de negócios privados, como actos de promiscuidade nefastos ao país. Mas não toma medidas. Aqui reside a superficialidade como se tem tratado o caso da Tchizé dos Santos. Ela mereceu os ataques da imprensa. Todavia, a pressão contra si deveu-se mais à sua própria reacção intempestiva, e ao facto de ser filha do PR, do que por razões éticas ou de respeito pela lei.

Como ilustração, João Melo acumula as funções de deputado do MPLA com o cargo de director-geral da Revista África 21, um órgão de informação privado. A situação de deputado-director, publicamente ostentada por João Melo, fere os mesmos preceitos legais e éticos que as incompatibilidades assacadas à Tchizé dos Santos. A Lei Constitucional, na Alínea C do Artigo 82, estabelece, como incompatíveis, a gestão de uma sociedade por quotas, como é o caso da Revista África 21, e a direcção de uma empresa pública, que se aplica à TPA.

A atitude de Tchizé dos Santos, de se retirar do parlamento de forma voluntária, acaba por constituir um grande acto de responsabilidade política que o MPLA e o seu pai, o Presidente da República, são incapazes de assumir. O de separar o trigo do jóio. Ou seja, separar a função pública dos negócios privados dos dirigentes.
O MPLA não está em condições de o fazer por se ter transformado numa sociedade
comercial de representação limitada – com um passado histórico de luta pela libertação nacional. Hoje, a principal acção do MPLA é a cobertura política dos negócios privados dos seus dirigentes.

Por sua vez, o Presidente da República é refém dos actos de rapina da elite que comanda. Hoje, a corrupção é o poder e o poder é a corrupção. Não há como separá-los no actual regime. A corrupção é a trave mestra da manutenção do grupo que manda em Angola. Apesar dessa constatação, o exemplo da Tchizé, que não usou da prerrogativa de ser filha de quem é para continuar na Assembleia Nacional, deve ser seguido por outras figuras do MPLA.

Haja um membro de topo do regime do MPLA a manifestar-se, por iniciativa própria, pela moralidade da administração pública, respeito às leis e aos órgãos de soberania. A demonstração passa por actos concretos de distinção transparente entre o público – de todos os angolanos – e o privado, aquilo que é particular ou da sua família.

Luanda, 12 de Setembro de 2009.

*Rafael Marques de Moraes é jornalista angolano.
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