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HOMENAGEM A NELSON MANDELA

Por Amauri Mendes Pereira*

Há 17 anos Nelson Mandela visitou o Brasil, percorreu vários estados, conversou com políticos, empresários, estudantes e falou para públicos imensos – no Rio de Janeiro, na passarela do Samba, foram dezenas de milhares: um público ávido, vibrante.
Não era para menos. Sua trajetória de vida: as demonstrações de capacidade de organização e liderança no ANC, da amplitude de sua visão teórica e estratégica frente aos desafios do apartheid para todos os sul-africanos independente da cor da pele, assim como à sua coragem pessoal na decisão de desencadear a luta armada e de criação do Umkonto we sitzwe – a lança-armada-da-nação; a dignidade incontrastável face às agruras do sistema carcerário, da tortura, da covardia sofridas por ele e seus companheiros, e às tentativas de seduzí-lo com propostas diversionistas; e sua sensibilidade no trato pessoal e generosidade com amigos, inimigos e seus próprios antigos carcereiros (um deles que publicamente testemunhou – aos prantos – sua conversão e admiração profunda, em episódio inesquecível de sua posse como presidente da República); pois tudo isso, que tem orientado análises teóricas-sociais-políticas, e povoado poesia, sonhos, e a imaginação em todo tipo de manifestação artística, entre os mais deferentes povos e culturas; tudo isso constitui um emblema pouco igualado da qualidade alcançada por seres humanos no século XX.
Mas é seu afago, de leveza e poder indescritíveis, que ainda hoje mais me emociona. Eu o senti ao fim da leitura do texto que escrevi (fui designado em Assembléia massiva de entidades Negras do RJ) para homenageá-lo na recepção exclusiva que ele – e sua assessoria, gratos aos esforços que despenderamos na articulação de sua visita – ofereceu a uma delegação de militantes do Movimento Negro Brasileiro, no Copacabana Pálace. Seu olhar e sorriso tão profundamente ternos me diziam que compreendia, aprovava, se congratulava, com o que eu ia lendo; sua ternura me atingia e serenava a tensão, em cada pausa para a tradução – (e a discreta cumplicidade da tradutora ao seu pé-de-ouvido)!!!
Ao abraçá-lo senti que aconchegava a minha cabeça em seu peito e nesse ato éramos Um: tod@s, negr@s (e muitos não negr@s) militantes que ousáramos tanto!
Nós que estivéramos com ele na angústia da prisão, nos avanços e recuos do enfrentamento ao apartheid, que – isolados politicamente e pela midia – sofreramos com o assassinato de Steve Biko e o massacre de Soweto: imagens que atualizavam a presença de Mandela através do Movimento Consciência Negra, nos anos 70; nós que líamos, escrevíamos e publicávamos suas palavras, sua história, seus exemplos em nossos jornais, tão precários e necessários; que criamos Comitês Anti-Apartheid, que afrontamos o Jóquei Clube do Brasil, quando recebeu o embaixador da África do Sul em sua suntuosa cede, no centro do RJ; e invadimos o consulado da África do Sul, e, queimamos sua bandeira e recitamos poemas, cantamos e dançamos, em tantas manifestações pela libertação de Mandela, especialmente a partir de 1986, quando chegava ao auge o Movimento de Libertação – a Frente Democrática Unida; que recebemos o, também iluminado, Bispo Desmond Tutu, que falava em nome de Mandela e de seu povo, e inspirado fez brilhar entre nós, não mais as dores, senão a força, a coragem, e a determinação do povo sul africano em vencer o apartheid e a exploração.
Feliz aniversário Mandela! Irmão e Companheiro de gente do mundo inteiro, cuja aura e exemplos transcenderam as fronteiras da pele, da nação, do continente.
AXÉ Mandela, que, Oxalá! Ainda estará muito tempo entre nós!

*Amauri é militante no movimento negro no Brasil, foi diretor do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras ( IPCN) e é professor da Universidade Estadual da Zona Oeste (UEZO)