Printer-friendly versionSend by emailPDF version

Considerando á década de 80, precisamente o ano de 1983, como ponto de partida para compreensão do início da contenda, o número de vítimas pode ultrapassar os 400.000 alarmados pelas organizações “humanitárias” euro-ocidentais, assim como, o número de refugiados pode ser muito maior que os estimados dois milhões e meio estatisticamente conhecidos. Estupros em massa, esquartejamento, infanticídios, assassinatos, carbonizações, sociedades destruídas e um elevado número de órfãos e refugiados são o produto da violência indiscriminada perpetrada por milícias islâmicas mercenárias - inseridas no exército nacional do Sudão -, denominadas jajaweed.

Essas milícias são resultado da evolução política e do contexto político da guerra fria externalizado durante a década de 80 na nas disputas de poder envolvendo as relações entre o Chade e a Líbia. Durante a década de 80, o governo da Líbia utilizou-se desses grupos mercenários para expulsar as populações chadianas localizadas ao sul do seu território aumentando a sua influência para o interior do Chade. O governo da Líbia tinha por objetivo anexar o território do Chade. Com o abandono desta política por parte do governo líbio, esses grupos de mercenários foram deslocados para o Sudão, onde naquele momento – 1983 - estava em andamento o golpe de estado que fundamentava a idéia da construção de um “estado islâmico sudanês”, regido pela lei Sharia. As elites árabes fundamentalistas de Cartum utilizar-se-iam, a partir deste momento, estas milícias como instrumento principal da imposição do projeto do “estado islâmico”, perante a diversidade populacional sudanesa. Assim, a intensificação da violência a partir de 2003, bem como, a falta de perspectiva e ação por parte da “comunidade internacional” para solucioná-lo, levantam alguns questionamentos, a saber:
Por que um conflito que extravasa os limites da violência contra seres humanos, possui uma visibilidade tão reduzida na mídia mundial, quando comparado, por exemplo, com a visibilidade existente em torno da contenda israelo-palestina? Qual a concepção de “humanidade” existente no imaginário dos responsáveis pelas políticas na Organização das Nações Unidas – ONU – que partem do pressuposto, antes de tomar qualquer decisão, saber – através de “discussões inócuas” - se o conflito de Darfur constitui-se como genocídio ou guerra civil? Na visão dos formuladores da política internacional da Organização das Nações Unidas, a “ajuda humanitária” só pode chegar, depois de chegado àquele consenso, pois, só a partir do mesmo poder-se-á ter uma dimensão dos gastos necessários para a ajuda específica.

O que significa trabalhar pela paz; qual a noção de democracia e de direitos humanos, quando potências que detém o poder de veto no Conselho de Segurança das Nações – CSN – e por esse motivo, são as mesmas que detém a possibilidade concreta da tomada de “ações enérgicas” contra os violadores dos valores que defendem, continuam a manter relações econômicas e diplomáticas com o governo transgressor, como é o caso da China, que é o principal fornecedor de armas do governo sudanês?

A forma como a instabilidade de Darfur é percebida pelos organismos internacionais e pela mídia internacional, deixa explícita a pouca validade de conceitos como: Direitos Humanos, Paz, Humanidade, Democracia que nos dias correntes, continuam a servir como referenciais das relações humanas e como uma das principais contribuições da concepção de modernidade provinda na ideologia iluminista. Logo, tais questionamentos, têm a finalidade deixar explícita a ausência de perspectivas na resolução dos conflitos africanos – apontado na construção do discurso e na prática das potências - assim como, a manutenção da posição da África a partir de suas potencialidades e não da sua historicidade e relações humanas planetárias.

Por outro lado, o andamento e os desdobramentos do Conflito de Darfur, suscitam questionamentos em âmbito nacional que dizem respeito à importância deste conflito na política externa brasileira – na atual conjuntura das ações afirmativas - e na forma como a mídia impressa nacional dá visibilidade não apenas ao conflito de Darfur, mas, a toda uma dinâmica social africana qual os conflitos estão inseridos. Logo, dois questionamentos são de fundamental importância para a construção da imagem de uma África desprovida dos estereótipos e dos mitos raciológicos que a envolvem.

Qual a orientação da política externa brasileira em relação ao conflito de Darfur, considerando a política de aproximação Brasil-África e considerando a diminuição dessas distâncias, em um país onde aproximadamente 70% da população é afro-descendente? Tomando por base o decreto das ações afirmativas, qual o espaço que a mídia impressa nacional pode ocupar na formulação de uma imagem positiva da África e de suas dinâmicas internas, considerando a mesma, como uma das bases da formação do imaginário nacional sobre a África?

CONCLUSÃO

O conflito de Darfur apresenta-se na atualidade, talvez, como o maior em números de vítimas e o que se destaca pelo excesso de violências perpetradas a toda a população do Sul e do Oeste do Sudão, onde está localizada a região de Darfur. O fato de a violência transcender os limites humanos é que impera por questionamentos sobre a validade de conceitos – paz, direitos humanos, humanidade, humanitarismo, democracia - que norteiam, não somente, os organismos internacionais, responsáveis pela segurança planetária, bem como, as relações intergrupais mundiais. A não visibilidade para o conflito darfuniano nos remete a essas interrogações para explicitar a posição – o espaço que ocupa - da África e suas dinâmicas sociais em relação aos centros de poder. Imprescindível destacar que a pergunta sobre o significado e a validade de determinados conceitos objetivam demonstrar, como os mesmos são apropriados e aplicados de diferentes formas em relação ao continente africano e suas divergências internas.

REFERÊNCIAS

MAHDI EL, Mandour. A short history of the Sudan. Oxford university press, 1965.

POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade.São Paulo: Unesp, 1997.

PRITCHARD. E.E, Evans. Os Nuer. São Paulo: Perspectiva, 2005.

SHERMANN, Patrícia Santos. Fé, guerra e escravidão: cristãos e muçulmanos face a mahdiyya no Sudão (1888-1898). 2005. 416 f. Tese (doutorado em história) Niterói, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro.

*Marcio Paim é mestrando em Estudos Africanos na UFBA
*Por favor envie comentários para [email][email protected] ou comente on-line em http://www.pambazuka.org